quinta-feira, outubro 02, 2008

O Quantum e credo de Planck. (Parte IV)

Como mencionamos, Planck esperava poder deduzir a segunda lei da termodinâmica como lei exata, isto é, não estatística, valendo-se do eletromagnetismo. Para esse fim aprofundou-se nessa teoria, à qual chegou a dar contribuições importantes. Por exemplo, a famosa fórmula de Larmor
\begin{displaymath} S=\frac{2}{3}\frac{e^2\dot{v}^2}{c^3} \end{displaymath}
que dá a potência irradiada por um oscilador de Hertz, foi obtida previamente por Planck.

Suponhamos um oscilador harmônico cuja massa possui também uma carga. Seja $\nu$ a freqúência natural do oscilador. Posto numa região onde existe radiação em equilíbrio térmico, o oscilador executará oscilações forçadas, sendo a ``driving force'' a força elétrica que atua sobre a carga. Planck mostrou que, no equilíbrio (a dissipação considerada é a reação da radiação) estabelece-se a seguinte relação:

\begin{displaymath} u_\nu(T) = \frac{8\pi\nu^2}{c^3}E(T,\nu) \end{displaymath}
onde $E(T,\nu)$ é a energia média por período do oscilador. Num certo sentido, Planck construiu um sintetizador da radiação térmica. Note ainda que a equação acima já tem a forma da lei de Wien, sendo que a procura da função crucial $f$ de Wien, pode ser agora feita trabalhando-se com os osciladores. Se, nesse instante, Planck, para o cálculo da energia média, tivesse usado a estatística clássica, teria posto
\begin{displaymath} E(T,\nu)=\frac{R}{N}T \end{displaymath}
ou seja, teria obtido a lei de Rayleigh (também conhecida como Rayleigh-Jeans, por razões que me escapam) um ano antes de Lord Rayleigh. Para uma dedução completa destes resultados, veja a referência.
Heinrich Rubens e Ferdinand Kurlbaum realizaram, em 1900, medidas na região do infra-vermelho ( $\lambda = 30-60\mu m$) e concluíram que a fórmula empírica de Wien não funcionava aí. Antes deles, mas com argumentos menos contundentes, Lummer e Pringsheim tinham chegado à mesma conclusão.

Em 7 de outubro, um domingo, Rubens e sua esposa visitaram os Plancks, e Rubens relatou que achara que $u_\nu(T)$ devia ser proporcional a $T$ para $\nu$ pequeno, o que era inconsistente com a fórmula de Wien. Logo que as visitas saíram, Planck atacou o problema de achar uma nova fórmula empírica que satisfizesse a nova exigência, e obteve, já numa notação que ele introduziria dois meses depois

\begin{displaymath} u_\nu(T)= \frac{8\pi h \nu^3}{c^3}\frac{1}{\exp{\frac{h\nu}{kT}}-1} \end{displaymath}
Esta fórmula teve um tal sucesso na descrição dos dados experimentais que Planck decidiu que tinha absolutamente de deduzi-la de primeiros princípios ``qualquer que seja o custo''. Planck voltou então ao problema dos osciladores. Tudo estava em calcular a energia média, denotada acima por $E$. Para osciladores em equilíbrio com radiação térmica à temperatura $T$, temos
= \frac{\int dE E \exp{-\frac{E}{kT}}}{\int dE \exp{-\frac{E}{kT}}} \end{displaymath}" width="199" border="0" height="57">
que é a fórmula clássica de Boltzmann. Sem mais hipóteses sobre $E$ obtemos =kT$" width="103" align="middle" border="0" height="34">, e a fórmula (incorreta) de Rayleigh. De maneira inteiramente pragmática, para obter a fórmula que inventara, Planck supôs que, na interação dos osciladores com a radiação, ou seja, na interação da radiação com a matéria, no equilíbrio, as energias possíveis eram da forma $E=n\epsilon$, com
\begin{displaymath} \epsilon=h\nu \;. \end{displaymath}
sendo $h$ um parâmetro a determinar experimentalmente. Neste caso o cálculo do valor médio dá:
= \frac{\sum_{n=0}^{\infty}n\epsilon\exp{\-\frac{n\epsil... ...frac{ne}{kT}}} = \frac{\epsilon}{ \exp{\frac{\epsilon}{kT}}-1} \end{displaymath}" width="311" border="0" height="53">
ou
\begin{displaymath} E(\nu, T) = \frac{h\nu}{\exp{\frac{h\nu}{kT}} -1} \end{displaymath}
e, finalmente,
\begin{displaymath} u_\nu(T)=\frac{8\pi \nu^2}{c^3}\frac{h \nu}{\exp{\frac{h\nu}{kt}}-1} \end{displaymath}
que é a fórmula de Planck. Os valores permitidos para a troca de energia foram denominados "quanta'' de energia. Planck falou deles:"Tratou-se de uma hipótese puramente formal, e não refleti muito sobre ela, mas apenas sobre o fato de que, sob quaisquer circunstâncias, custasse o que custasse, um resultado positivo tinha de ser obtido.''
A solução obtida por Planck custou-lhe muito (e muito lhe rendeu!). Suas concepções em relação à física sofreram necessariamente um abalo, que iria desenvolver-se ainda, com os anos, até fazê-lo renegá-las. Para descrever este aspecto pessoal da questão, vou me valer do ótimo artigo de Res Jost que compara Boltzmann e Planck. Estarei usando a excelente tradução que me foi dada pelo Professor Walter F. Wreszinski, a quem muito agradeço.

Diz Jost, "A dissertação de Planck tem o título Sobre o Segundo Princípio da Teoria Mecânica do Calor. A teoria mecânica do calor da época corresponde à termodinâmica de hoje. Planck acreditava na veracidade absoluta do teorema do crescimento da entropia: ele era um ENTRÓPICO. Este fato faz dele desde cedo um anti-atomista. Surpresos, lemos na sua fala por ocasião da sua eleição como membro da Academia Prussiana: Para finalizar gostaria de referir-me a um fato já conhecido de maneira explícita.

O segundo princípio da teoria mecânica do calor, levado às últimas conseqüências, é incompatível com a suposição de que existem átomos finitos. É de se pressupor, por este motivo, que no desenvolvimento da teoria venha a se travar uma guerra entre essas duas hipóteses, que custe a vida a uma delas. Se o resultado dessa luta ainda não pode ser predito com segurança, diversos indícios parecem sugerir que, apesar dos sucessos da teoria atomística até o presente, teremos que optar pela hipótese de uma matéria contínua.
''

Em 14 de dezembro de 1900, o segundo capítulo da palestra de Planck na Sociedade Alemã de Física, começa com o título:Entropia requer desordem. Diz Jost, ``Planck havia capitulado a Boltzmann''.

A solução completa e rigorosa (do ponto de vista físico) do problema do equilíbrio da radiação com a matéria foi dado por Einstein em 1916. Neste extraordinário artigo Einstein estuda o equilíbrio da radiação com um átomo "genérico'', isto é, caracterizado apenas por ter níveis de energia. Livra-se assim de todas as complicações do teorema de Kirchhoff.

O quantum de energia é reconhecido como a energia de um fóton, e o equilíbrio só se dá se se admitir a existência do fenômeno da emissão espontânea. Vinte anos depois Dirac mostraria que este fenômeno aparece naturalmente ao se tratar o próprio campo eletromagnético como um sistema quântico. Assim, da concepção de Planck de uma natureza contínua, não sobrou pedra sobre pedra.

PARTE I PARTE II

PARTE III

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