sexta-feira, outubro 10, 2008

O Corpo Negro. (Parte II)

para compreender esse texto leia primeiro a parteI, Max Planck e a idéia do quantum de energia, pois esse é uma sequencia natural do primeiro.

É provável que Kirchhoff tenha se interessado pelo problema do equilíbrio da radiação com a matéria para dar base teórica aos resultados obtidos empiricamente no estudo dos espectros dos elementos. De fato, como veremos, um dos primeiros resultados gerais que obtém é que
no equilíbrio, um corpo não emite uma freqüência que ele não possa absorver.
Mas, vamos por partes.

O grande trabalho de Kirchhoff
Sobre a relação entre o poder emissivo e o poder absortivo de corpos para o calor e a luz contém resultados importantíssimos. Tratava-se de, através da termodinâmica, caracterizar a radiação de equilíbrio. Como ele estava partindo do nada, tinha de fazer tudo.

Primeiro, identificar as quantidades relevantes. Dado um corpo em equilíbrio com a radiação, tracemos um cone a partir do corpo, abarcando um ângulo sólido
$d\Omega$.
A energia que, por segundo, atravessa uma seção reta desse cone, será escrita
$K d\Omega$. Se selecionarmos agora aquela energia cuja freqüência está entre $\nu$ e $\nu + d\nu$, a energia será $K_\nu d\Omega$, por unidade de intervalo de freqüência. Então, argumentos elementares mostram que a densidade espectral de energia eletromagnética (energia por unidade de volume, com freqüência entre $\nu$ e $\nu + d\nu$, por unidade de intervalo de freqüência.Ufa!) vale
\begin{displaymath} u_\nu = \frac{8\pi}{c}K_\nu \end{displaymath} (1)

e o resultado é o dobro do que o leitor esperava porque estamos considerando os dois estados de polarização das ondas eletromagnéticas.

A absortividade do corpo é definida como sendo a fração da energia que incide sobre o corpo que é transformada em calor. Denotada por $A_\nu$, temos, então, que a quantidade de energia que, por unidade de tempo, etc., é transformada em calor é $A_\nu K_\nu (T)$, pois que estas quantidades dependem da temperatura absoluta $T$. No equilíbrio, essa energia absorvida pelo corpo deve ser reposta. Seja $E_\nu$ a emissividade do corpo, isto é, a quantidade de energia emitida pelo corpo nos mesmos $d\Omega$, $\nu$, etc. Então, devemos ter $E_\nu = A_\nu K_\nu(T)$, ou

\begin{displaymath} \frac{E_\nu}{A_\nu} = K_\nu(T) = \frac{c}{8\pi}u_\nu(T) \end{displaymath} (2)

A seguir Kirchoff introduziu o conceito de corpo negro, um corpo que transforma em calor toda a radiação que incide sobre ele. O melhor modelo de corpo negro é uma cavidade onde a luz entra por um orifício, mas só encontra o caminho de saída depois de um número colossal de reflexões nas paredes. Em cada reflexão um pouco de sua energia é absorvida.

No limite, toda é absorvida. Pois bem, usando argumentos típicos da termodinâmica da época, Kirchhoff mostrou que, para um corpo negro, a densidade de energia $u_\nu(T)$ era uma função universal, independendo de como o corpo negro era construído. Segue que, para qualquer corpo em equilíbrio com a radiação em uma cavidade, $\frac{E_\nu}{A_\nu}$ é uma função universal. A emissividade para uma dada freqüência e uma dada temperatura pode variar, no equilíbrio, de corpo para corpo, mas a razão $\frac{E_\nu}{A_\nu}$ independe do corpo. Em particular, para o corpo negro, $A_\nu=1$, de maneira que temos que a emissividade de um corpo negro independe do corpo.

A aplicação que mais terá interessado a Kirchhoff será, creio eu, a seguinte: suponhamos que, para um determinado corpo (uma certa massa de gás, por exemplo), a absortividade para uma determinada freqüência $\nu$ seja nula. Então, como a razão $\frac{E_\nu}{A_\nu}$ independe do corpo, teremos que, para esse gás, $E_\nu=0$. Ou seja, um corpo não emite uma freqüência que ele não absorva (no equilíbrio). Este resultado, anteriormente obtido empiricamente por Kirchhoff, encontrava aqui sua justificação. É claro que, na descrição quântica da matéria, este resultado é trivial e mais geral, não se restringindo ao equilíbrio. Mas que pudesse ser descoberto por Kirchhoff em meados do século XIX é realmente extraordinário.

Para demonstrar a universalidade da função $u_\nu(T)$ para o corpo negro, Kirchhoff valeu-se das técnicas típicas da termodinâmica da época: supôs a existencia de espelhos perfeitos para todas as freqüências, de substâncias transparentes só para determinados intervalos de freqüência, o arsenal usual.

E, sobretudo, descreveu a radiação sempre sob a forma de raios. Note-se que o problema do equilíbrio da radiação com a matéria envolve calor radiante e luz, na época coisas distintas. Os grandes trabalhos de Maxwell, que propuseram que a luz era radiação eletromagnética dentro de um certo intervalo de freqüências, apareceram gradualmente de 1860 a 1865, enquanto que o grande trabalho de Kirchhoff foi publicado em 1860.

Nada se sabia, então, da natureza eletromagnética da luz. De fato, era corrente pensar-se que a luz só existia no intervalo visível, tratando-se a radiação térmica de outro fenômeno físico.

A demonstração de Kirchhoff é um dos grandes monumentos da física clássica. Contudo, sob olhares modernos, parece impossível que se pudesse efetivamente demonstrá-lo naquela época. É claro que Kirchhoff, mercê de sua familiaridade com os fenômenos em questão, sabia onde devia chegar, e este ``mapa mental'' guiou-o em todas as encruzilhadas perigosas. É assim que se faz física, afinal!

Uma magnífica exposição do trabalho de Kirchhoff, a melhor que conheço, tanto pelo aspecto crítico quanto pela sensibilidade histórica que demonstra, é a de Lorentz. Uma crítica adicional, que escapa ao grande Lorentz, é relativa ao uso exclusivo de raios de luz.

De fato, é bem conhecido que essa descrição é particular demais e tem efeitos termodinâmicos que não surgem se a descrição geral, por ondas, for utilizada. Pois se a luz, e toda a radiação considerada, segue trajetórias que são os raios, aplica-se à propagação o teorema de Liouville sobre o volume do espaço de fase. Neste caso pode-se, por exemplo, demonstrar que não se pode obter, com lentes e espelhos, e usando a luz do Sol, temperaturas maiores do que a da fonte. Este resultado era, aparentemente, conhecido por Clausius. Não se trata, obviamente, de um resultado geral, mas de uma conseqüência do uso de raios.

Enfim, demonstrada a existência de uma função universal para a distribuição espectral da radiação em equilíbrio térmico com a matéria, abria-se o problema de determiná-la, experimentalmente, mas também de obter sua expressão analítica, trabalho de físicos teóricos.

Ou melhor, trabalhos teóricos de físicos, pois que, naquela época, não havia físicos exclusivamente teóricos, ou eram muito raros.


PARTE I, Max Planck e a idéia do quantum de energia

PARTE III, Planck, Boltzmann e Wien

PARTE IV, Dedução da fórmula de Panck

Um comentário:

Gabriel BJ disse...

LOQUISSIMO....
gostei do blog...
=D