terça-feira, setembro 23, 2008

Entendendo o CERN

Depois de 20 anos de trabalho pesado envolvendo físicos, engenheiros e técnicos de cerca de 80 países, além de muito dinheiro, ingrediente indispensável num projeto deste porte, começa a funcionar hoje, quarta-feira, 10 de setembro, o LHC - Large Hadron Collider (ou Grande Colisor de Hádrons). O teste com o primeiro feixe de prótons (first beam) foi iniciado.
O LHC é o maior acelerador de partículas construído pelo homem. O complexo fica no CERN - Organização Européia para Pesquisa Nuclear(1), na fronteira entre a França e a Suíça, e abriga um túnel em forma de anel (quase) circular que fica a cerca de 100 m abaixo da superfície e com quase 27 km de extensão




É neste anel que feixes de íons e prótons serão acelerados até a incrível velocidade de 0.999999991c (99,9999991% da velocidade da luz no vácuo!). Só para lembrar, a velocidade da luz no vácuo é de 299.792.458 m/s, muito próxima de 300.000 km/s, valor "redondo" e mais fácil de memorizar e que também pode ser expresso em potências de dez como 3.105 km/s = 3.108 m/s.

Nada pode atrapalhar a viagem das partículas dentro do anel. Toda a energia do feixe deve ser preservada. Nenhum obstáculo deve ficar na frente daqueles que vão voar dentro do tunel gigante. Nem mesmo as partículas de ar. Para tanto, o anel será praticamente esvaziado. Dentro dele a pressão cairá para apenas 10-13 atm, ou seja, a minúscula fração de 0,0000000000001 da atmosfera do nosso planeta. É quase nada. Serão dois feixes de partículas injetados no acelerador e que vão viajar em sentidos opostos.

Quando as partículas estiverem com velocidade máxima, ocorrerão colisões. Sensores espalhados pelo anel farão leituras das migalhas que vão sobrar desta trombada subatômica. Para não prejudicar a delicada leitura, a temperatura do sistema deverá ser baixada até cerca de -271 oC, quase zero absoluto(2).

Este tipo de colisão de partículas funciona, na prática, como se você quisesse saber do que é feito um automóvel e não tivesse ferramentas para desmontá-lo e muito menos soubesse como ele foi montado. Então, você pega dois automóveis, os acelera em sentidos opostos, e os coloca em rota de colisão. Registra o impacto e coleta informações sobre os fragmentos que vão "sobrar" da batida.

Em outras palavras, você vai desmontar os automóveis na marra. E, quanto mais energia os automóveis tiverem, quanto mais forte for a colisão, menores serão as partes de automóvel obtidas e, portanto, maiores os detalhes sobre cada componente dos veículos.

É mais ou menos isso que os cientistas farão. E querem ir muito longe, a ponto de reproduzir condições muito parecidas ao que supomos ter existido nos primeiros instantes do nosso Universo, imediatamente após o momento inicial, o Big Bang(3). Espera-se que assim seja possível reconstituir a história do surgimento da matéria no Universo.

E, entendendo esse verdadeiro LEGO em microescala, poderemos também entender todo o Universo em grande escala. É por isso que os experimentos do LHC interessam aos físicos de partículas tanto quanto aos cosmólogos.

Em comparação com outros aceleradores de partículas, o LHC bate em todos e sem pena. Quando estiver em pleno funcionamento, o feixe de prótons será acelerado até uma energia cinética de 7Tev (na colisão serão dois feixes e, portanto, 7 + 7 = 14TeV). Existem alguns aspectos físicos importantes sobre esta cifra energética. Veja:

I) O que significa uma energia de 7Tev?

Em primeiro lugar, o prefixo tera (T) quer dizer 1012. É mil vezes o valor do prefixo giga (G) que é de 109.
E 1eV é a energia que uma partícula com carga elementar q = e = 1,602.10-19 C, como o próton, adquire ao ser acelerada por uma diferença de potencial U = 1V. Fazendo a conta em joules, unidade mais comum do Sistema Internacional, teremos:

1 eV = q.U = 1,602.10-19 C x 1V = 1,602.10-19 J

Hoje, no first beam, a energia chegará a "apenas" 450 Gev. A ideia é ir aumentando a energia do feixe aos poucos e testar, com segurança, o comportamento da máquina. Levará mais ou menos um ano para que o experimento funcione a todo o vapor.

II) Velocidade alta é sinônimo de Relatividade

A energia cinética de um corpo com massa m e velocidade v é calculada, pela Mecânica Clássica, usando a seguinte equação:

Mas esta fórmula só vale para velocidades v muito menores do que a velocidade c da luz (v <<>

Para velocidades altas, não desprezíveis em relação à velocidade da luz, uma correção relativística é necessária. Quem faz isso é o fator de Lorentz, o gama na equação abaixo:

Note que, na expressão acima, se v é desprezível em relação ao valor de c, o fator gama dá 1. Não existe correção a ser feita.

Mas no caso das partículas do LHC o valor do fator de correção será:

Dá muito maior do que 1, ou seja, temos que apelar incondicionalmente para a Teoria da Relatividade Restrita de Albert Einstein (1879-1955) que prevê que, mesmo parado, um corpo tem energia, chamada energia de repouso, dada por:

Na expressão acima m0 é a massa de repouso, a massa que o corpo tem quando está parado. Quando entra em movimento a sua massa inercial aumenta pelo fator de Lorentz (m = g.m0) e assim teremos uma energia maior dada por:

Substituindo o fator de Lorentz na expressão acima encontramos:

Em movimento, a energia extra que parece é a energia cinética relativística EC. Assim, E = E0 + EC, ou seja:

A exressão acima pode ser simplificada em:

É desta forma (relativística) que a energia cinética do feixe de partículas do LHC deve ser calculada, incluindo a correção feita pelo fator gama de Lorentz.

A massa de repouso do próton vale m0 = 1,67.10-27 kg = 0,938 GeV/c2 (8).

A tabela abaixo mostra a energia cinética dos prótons relativísticos no LHC nos diferentes aceleradores (partes) da grande máquina. Veja que em cada acelerador a velocidade do próton vai crescendo e atingindo uma porcentagem maior da velocidade c da luz. Somente no estágio final, no anel principal do LHC, é que a energia de cada próton chegará a 7TeV. No teste de hoje os prótons vão sair do SPS (anel secundário) com energia de "apenas" 450GeV e serão injetados no anel principal onde, sem nenhuma aceleração extra, será feita uma verificação verificado se o feixe consegue dar uma volta completa nos quase 27 km do anel principal, sem perdas.


Fonte

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